Os meandros da memória por Jacques Leenhardt
Essas impressões vêm de um tempo já antigo. Hoje, o Riacho é um
curso d’água comportado, despoluído, de águas claras, que caminha
entre margens retificadas e, provavelmente, sobre leito de saibro.
Foi submetido às exigências urbanísticas. A Ponte de Pedra,
sua irmã, agora fora do contexto, tornou-se intrusa. Estranho ver
edifícios históricos (tombados) engolidos por modernas estruturas
que os fazem parecer cadáveres em sarcófagos. Essa hibridez
vem do desamor pelo velho e da avidez de lucro. As contínuas
reformas na nossa cidade – a cidade é a nossa casa – nos transformam
em forasteiros. O progresso é uma ação de despejo em execução.
Por isso, um belo dia, na temida velhice, sentimos a incontida
vontade de voltar a nosso pátio, para reaver as nossas coisas que lá
deixamos.
Iberê Camargo, “O riacho”
Entra-se na obra de Iberê Camargo tendo a cronologia como guia. A relação com o passado, como um mundo feliz e desaparecido, dá sua nota de melancolia a uma das buscas pictóricas mais consequentes e solitárias da pintura brasileira dos últimos cinquenta anos. Sem dúvida, a terra da infância, aquela região que envolve Restinga Seca onde Iberê nasceu em 1914 é uma terra dura de onde o pintor descreverá em vários comentários o aspecto desértico e abandonado. Entretanto, nessas lembranças pessoais, ela guarda o calor do espaço familiar: a casa e a estação férrea onde trabalhava seu pai. Sublinhando a importância do céu e do horizonte, essa paisagem de solidão é marcada igualmente pelas linhas formadas pelos trilhos perdendo-se na distância e pelos fios do telégrafo onde trabalhava sua mãe. Um mundo isolado e voltado para dentro, mas ao mesmo tempo ligado a outros mundos por essas linhas de fuga que os desenhos de Iberê não cessarão nunca de reproduzir.continue lendo,acesse:
http://www.canalcontemporaneo.art.br/arteemcirculacao/
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