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Critico de Arte e Escritor Walmir Ayala

Walmir Ayala     Releiturashttp://www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Walmir+Ayalahttp://www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Walmir+Ayala
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Eu estava selecionando uns pés de couve-flor quando meu marido me disse: "Espere um momento que vou cumprimentar Heloisa". Não levantei os olhos do balcão das verduras nem sequer pensei que só poderia ser aquela Heloisa, uma mulher forte e invulnerável cuja estabilidade doméstica tinha sido até motivo de inveja para mim algumas vezes. Meus dedos correram por sobre as alfaces, remexi os tomates, pesei uma quantidade de cenouras, e nem ergui os olhos para ver para onde ele se dirigira, para ver onde estaria Heloisa. Andei puxando o carrinho que ele deixara ao meu lado, com a mercadoria meticulosamente arrumada, à sua maneira. As salsichas junto com a manteiga, os iogurtes e os queijos suportando a caixa de ovos, os pacotes de arroz e feijão acolchoando a leveza dos biscoitos. Andei pelos corredores de gêneros variados mas já não escolhi nada. Nem sequer passei os olhos pela lista que a empregada me entregara ao sair de casa. Prestei muita atenção em todas as coisas, aquelas naturezas mortas, oferecendo-se. A vitrine das carnes, os buchos e fígados, a nobreza dos filés, rubores suspensos iluminados de uma claridade valorativa de suas nuances de sangue. As laranjas, as batatas, os abacaxis, os grandes balcões de salgados, carnes secas, toucinhos, despojos de seres mortos e conservados num requinte de temperos. As caixinhas de gelatina, com as frutas impressas em cores inesquecíveis, disfarçando os sabores artificiais que a empregada atenuaria com frutas e cremes de baunilha e morango, com claras batidas e outros recursos de enriquecer aquelas doçuras transparentes e monótonas.

Não procurei meu marido, embora imaginasse que num momento esbarraria com ele e Heloisa, sabendo que estariam falando do jardim, das plantas exóticas que Heloisa tinha o dom de descobrir em chácaras distantes. Ou então de uma raça de galinhas poedeiras, cujos ovos de grande valor nutritivo não poderiam ser comparados àqueles de gema vermelha, que eu tinha escolhido mecanicamente no correr da tarde. Não é que Heloisa quisesse comparativamente me subestimar, mas ela era assim, e eu é que me subestimava junto dela. Se é que a Heloisa que meu marido fora saudar era aquela que eu supunha.

Passei duas horas andando com aquele carrinho, sem acrescentar um grão ao já escolhido. Parei na lanchonete e comi uma coxinha de galinha. A fome pousada em meu lábio não determinou o menor luxo seletivo. Comi a coxinha de galinha como podia ter comido o cachorro quente ou o rizzoli, só para sobreviver. Pensei num momento em procurar meu marido mas desisti "ele deve estar falando com Heloisa". Olhei o pátio do supermercado e vi nosso carro. Ele está com a chave. Vasculhei a bolsa de dinheiro e verifiquei que a chave estava comigo. Eu não dirigia há tanto tempo. Ele voltaria? Que importância tinha isso, eu precisava ir embora. Foi o guarda que me alertou "vai fechar". Eu era a última freguesa a andar por aqueles corredores e notei que as moças das caixas me olhavam com ar cansado e irritado. Estavam tão tristes que eu tive vontade de chorar, de lamentar seu destino vendido tão barato, horas e horas apertando botões de máquinas registradoras em troca do dinheiro da passagem e da comida. Vi-as todas muito humilhadas, mas ainda pela necessidade de aceitarem o jogo daquela maneira enquanto invisíveis e gordos os donos das alcachofras e dos presuntos rolavam entre os lábios charutos de Havana.

Paguei e saí. Onde estaria meu marido? E Heloisa? Coloquei as compras no carro e rodei pelo bairro, tentando reconhecer um ou outro. Depois decidi ir para casa.

A empregada me recebeu como se nada tivesse acontecido, sequer me perguntando pelo adiantado da hora. Recolheu as compras e preparou-me o banho. Mergulhei na banheira de água quente. Quase adormeci. A água, ao esfriar, fez-me voltar à realidade. Fui para cama. O telefone não tocou. No dia seguinte muito cedo voltei ao supermercado sem ter contado a ninguém o acontecido. Tive medo de estar sendo ridícula, ou louca. Que me dissessem de repente "Que marido?". Ou, o que era pior, "olha ele ali". Fiquei todo o tempo rodando entre aqueles corredores, como se fosse coisa dali, uma das moças das caixas, ou mesmo uma das máquinas registradoras. Saí, no fim do expediente, sem ter comprado nada.

No terceiro dia é que eu descobri que o supermercado tinha andares diversos, escadas rolantes. Andei de cima para baixo, de baixo para cima, e parecia que os lugares eram sempre outros, como num labirinto. Fiquei feliz de andar por caminhos novos, onde poderia esbarrar com meu marido e ouvir ele dizer "— Que sorte você chegar já ia ao seu encontro". Eu sabia que isso não ia acontecer porque meu marido e Heloisa deveriam estar como eu, perdidos naquele labirinto, com espelhos multiplicando as caixas das douradas uvas, e os pêssegos e nêsperas tocadas de raras abelhas. Comecei a sentir que me desprendia dos valores antigos, e que só me interessava trilhar aquele caminho sem fim, no qual ele estaria sempre adiante, e eu atrás, sem ponto de encontro, sem retorno. Eu teria sonhado a minha vida? Ou estaria agora entrando num sonho maior? Senti-me tonta, percebi que minha roupa estava suja e que a urina corria pelas minhas pernas abaixo. Senti o grande peso da solidão, pela primeira vez. Indaguei a mim mesma qual o caminho a seguir, mas antes de me responder vi que me amparavam e levavam para determinado lugar, um lugar muito branco, com uma mesa muito branca onde eu comecei a adormecer. Deixei que cuidassem de mim, com um sorriso de infantil prazer me corrigindo os lábios. Quando voltei a mim já não reconheci o mundo que me davam. Estava cada vez mais longe dele, mais longe. Buscando encontrá-lo e me distanciando, de tal maneira que se o visse agora talvez nem reconhecesse.


Walmir Félix Solano Ayala, poeta, romancista, crítico de arte, contista, memorialista e autor de literatura infantil, nasceu em Porto Alegre (RS) no dia 04/01/1933. Seu primeiro livro, "Face dispersa", foi publicado em 1955. Em 1956 mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro. Dentre suas mais de cem obras, destacamos: "Diário I (Difícil é o Reino)"; "A Beira do Corpo" (romance); "Chico Rei e a Salamanca do Jarau" (teatro); "A Toca da Coruja" (literatura infantil, Prêmio Nacional de Literatura Infantil do INL)"; "Ponte Sobre o Rio Escuro" (contos, Prêmio Nacional de Ficção do INL) e "A fuga do Arcanjo" (diário íntimo). O intelectual ora enfocado faleceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em 28/08/1991.


O texto acima foi extraído da antologia "Ficção - Histórias para o prazer da leitura", Editora Leitura - 2007, pág. 266, organização de Miguel Sanches Neto.

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A todos, muito obrigado. Arnaldo Nogueira Júnior. ®@njo





O Boi e a Margarida (Walmir Ayala)
Publicado por Marlene Lúcia Siebert Sapelli [marlene] em 25/3/2006 (1992 leituras)

O texto pode ser explorado primeiramente com atividades de interpretação, depois com modelagem (massa: farinha, 1 colher de azeite, água até dar ponto e 1 pacote de suco colorido em pó, daqueles bem comuns) das personagens. O professor também pode dramatizar o texto, confeccionando máscaras.
A idéia do texto é levar aos alunos discussões sobre as relações de poder na sociedade, inclusive aquelas praticadas em nossas escolas.

O BOI E A MARGARIDA

Era uma vez um boi. O boi era manso e não pensava. Andava, andava, ruminava. E não pensava. Recusava-se. Passava o João-de-Barro, construindo sua casa, uma planta no bico, calculando apressado. O boi olhava, ruminava,sacudia a cabeça, abanava o rabo e pastava. De noite, o dono vinha buscá-lo. Ia dócil, comia sua ração e dormia. Mas gostava de seu pasto verde, isso sim. Não queria conversar com ninguém, nem conhecia outros bois. Era único naquele sítio. Via as crianças de longe, gostava da algazarra que faziam. Mas logo abaixava a cabeça e ia ruminar seu capim. Êta boi!
Um dia o boi tocou o focinho num espinho e ouviu uma vozinha gritando:

- Arreda ou te mato!
Era a margarida do mato no seu caulezinho verde, com um espinho na mão enfrentando o boi. E continuava a gritar:
- Você não enxerga, seu monstro? Na semana passada comeu a família toda.
O boi corrigiu:
- Eu não como margarida, só gosto de capim.
- Mas você não pensa, e quem não pensa, não vê. No meio do capim vai tudo.Afaste-se de mim ou morre.
O boi, que nunca tinha sido enfrentado, ficou mesmo com medo e recuou diante da margarida que empunhava um agudo espinho de laranjeira. Recuou e se afastou sem graça para o lado do açude. Ficou preocupado, olhando a água.
Passou um mosquito verde:

- Que é isto, boi? Que tristeza é esta?
- A margarida quer me matar.
O mosquito desandou a rir e quase se desequilibrou:
- O boi com medo da margarida!...

E voou. O boi ainda o chamou para que explicasse porque ria tanto. Mas continuou ali, pensando pela primeira vez na vida. Passou um peixinho e gritou:

- Ei boi, ei! Não venha babar na minha água, não.
- Nem penso nisso, estou tristíssimo.
- Por quê?
- A margarida quer me matar!

O peixinho deu uma cambalhota e riu de tal forma que engasgou com a água. E lá se foi açude adentro, contanto pra todo mundo – "A margarida quer matar o boi e o boi está com medo!". Dentro em pouco era aquela risada de peixe arrepiando o açude inteiro. Até que veio o sapo velho, cururu, de cara fechada. O boi chamou:

- Sapo, sapo, por que é que todo mundo ri de mim? Estou tão triste.
- Por que você está triste?
- Porque a margarida do mato quer me matar.
- Você já se enxergou?
- Não.
- Olhe-se no açude.
O boi se olhou e pensou "Como sou grande!". O sapo explicou:
- Por isto é que todo mundo está rindo de você. Um boi tão grande não pode ter medo de uma pequena margarida do mato.

O boi se envergonhou. Deu as costas e ainda ouviu a gargalhada atrasada do sapo e o boi pensou "vou falar com essa margarida, acertaremos os ponteiros".
Foi, pastou no caminho para não perder tempo e porque estava com fome. Estava tranqüilo também. Sabia que era enorme. Chegou ao lugar onde morava a atrevida margaridinha. Procurou, focinhou, cheirou, bufou, nada. Onde estava?
- Lua, você viu a margarida do mato que morava aqui?
- Morreu. Na noite passada teve um colapso e morreu. Elas vivem tão pouco, as coitadinhas! O vento levou as pétalas por aí.
O boi sussurou:
- Eu queria brigar com ela.
A lua cascateou uma risada.
- Brigar com ela? Que vergonha! Um boi tão grande!
E a lua saiu pelo céu cumprindo o seu destino.
O boi ficou perplexo. Ter medo de margarida é tão ridículo quanto enfrentá-la. Ser tão grande era uma carga. E andou com seu pesado corpo, pensando "Ah, se a margarida ainda vivesse para me explicar.. Só ela saberia me dizer a verdade".
E foi pelo mundo afora. E foi o boi mais triste do mundo, grande, pensativo e só.
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Walmir Ayala

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POEMAS INÉDITOS EM LIVRO
[Uma recolha realizada por André Seffrin]



LICOR
Dulcíssimas cerejas
no ritual de outubro.
Se eu te mordesse os cílios
e gemesses de espanto
eu diria que o amor
é uma invenção do sonho,
que o corpo com que exerço
esta dança secreta
não tem definição
mas é garça e poeira,
lasca de unha, mancha
de sangue num lençol.

Riríamos do amor
de tal forma alumbrados
que o sonho passaria
e eu veria a verdade
que paira quando tudo
é prazer triturado.

Prazer? Eu sondaria
milímetros de nervos
e pesaria os gestos
as mínimas torções
concluindo com o nada
de uma nuvem traçada
numa folha vadia.
(Nem sequer uma nuvem
distante e verdadeira.)

Se quisesses me ouvir
eu contaria a história
de uma imagem que quis
roubar do que é real
uma gota de mel.

Diria que este furto
sem dimensão exata
seria toda a glória
desta imagem sem voz.
Se quisesses me ouvir
eu te prometeria
logo após dispensar
levando a minha história.

E eu te desejaria
o porto da loucura
para que só falasses
desta opaca memória.

Dulcíssimas cerejas.
Outubro, a névoa, nada
reconstrói o perdido
quando é mito refeito
de improvável delícia.

Dulcíssimas cerejas,
imponderável gesto
suspenso entre o remorso
e a frustrada carícia.

Walmir Ayala, 3-10-1990.



JAPÃO
O outono e o príncipe herdeiro
movem um pincel de ar
e avermelham
as árvores
da porta do sol.

Silêncio e ausência penteiam a grama,
houvera ali um canto anunciador.
O jardim é um leque de ouro
ou cauda
de pássaro esponsal.
Os deuses invisíveis tangem
rebanhos de lã.
O outono
é menos que um murmúrio.


Walmir Ayala, 4-10-1990



Deus é o Incriado
é o tudo e o nada
o presente e o ausente
o respirado
e o expirado,
é a primeira imagem
e a última imagem
tocando-se num tempo
sem tempo;
é anterior
a todas as imagens,
é o que não teve espelho
é o que não se vestiu
e se vestiu de tudo
de água de ar de pó,
é o que manipulou
o pó e a brasa ardendo
ciclo perfeito, o anel.

É o brilho, a matéria
o símbolo do anel
é o invisível dedo
da aliança, o espírito
do vinho, violeta
violáceo rá.

Deus é o que há
sem ter sido, no entanto
inacabado sendo
o que não evolui,
é o santo
o címbalo
o fumo
o absinto
o abismo
o projeto
do amor
mais que perfeito.
É o último
teto
do inimaginável.
É a algema,
a asa livre:
é a Imagem.


Apago a luz e penso:
mais uma vez apago a luz,
e respiro para me sentir respirando
com cautela e pasmo.

Hoje vi retratos de meus mortos,
sorriem em praças e paisagens
inatuais.

E eu aqui, ainda vivo,
como? por que? até quando?
Cada trilha me inspira
a despedida,
e eu me vejo ao lado dos mortos
e eles não me vêem
na névoa dos retratos.

Quem me esqueceu neste lado?


WALMIR AYALA, Rio, 30-11-90.


Um dia ele inventou o Bem Supremo:
um castelo numa cidade santa e povoada
de tempestades, raios e sinais
da Grande Noite.
Nessa cidade o Bem Supremo transitava
com seus exércitos e magos
com seu zoológico de feras e pastores,
seus bailarinos, padeiros e cristais.

De tudo ele era o poeta, o oficiante,
o subjugado,
o arauto.

O coração da Grande Noite
foi seu último refúgio.



WALMIR AYALA, Saquarema/RJ, 24-11-90.





Viver, um breve espanto, uma alegria
instantânea, uma centelha, um átimo,
viver, estar vivendo, nem trincar
o rubi da romã e já não ter
noção da fruta, perceber
no rosto a brisa e ao gesto
de tentar reter a pétala, perder
a flor, viver, viver? crispada
a pele o gelo da parada
do coração, perder
a brecha da visão, e o gozo
tênue, perceber
o invisível tremor como lamento
de um sonho em fuga, desprender,
viver e desprender-se, e escorregar
nas paredes do poço unhas, gemido,
terror da escura e demorada morte. Ah,
disse teu nome ó inominada, disse
e pousas na minha pálpebra o veludo
da tua eterna voz, supensa
nas proas naufragadas, nas escuras
virgindades dos bosques, morte,
ardil de seda no morango aceso,
atrás do reposteiro vigilante, espiã
de segredos, torturada
deusa do rito excuso. Morte,
eu te nomeio como o tanger
de uma unha pelo som de uma corda
tensa, eu te nomeio
perdendo o sopro, andante do afogado
que se integrou no mar. Eternidade.

WALMIR AYALA, Rio, 20-08-90.



BALADA
Toquei a fronte da morte. Era fria.
Tinha os lábios desenhados de ironia.
O olhar retinha uma estrela
que luzia.
O olhar da morte, entre pálpebras,
quase fechava - era dia -
a morte toda de noite se vestia.

Vi as flores da morte, um jardim
que fenecia.
Tentei respirar a morte, anoitecia.
Pouco a pouco andamos perto
a morte e eu,
me comprazia
em sentir seu vestido que uma aranha
infinitamente serzia. Era mendiga, a morte
e lentamente se despia. Nua,
a moldura do olhar me consumia,
e invisível deixava-me à mercê
do que morria.
E já não era então, a morte, a fantasia
da minha dor, nem intérprete ou cicerone.
Varria
aos meus pés a poeira de onde vim
e para onde ia.

O Campo-Santo era uma pátria sem valia.


WALMIR AYALA, Rio, 20-09-90.


Meus amigos, meus conhecidos, meus afetos e desafetos,
meus leitores e detratores, ouçam e atendam:
quando chegar a hora do meu último repouso,
busquem meu corpo onde ele estiver,
na poeira do Rio ou na neve gaúcha,
nalgum Japão antípoda, ou aqui mesmo,
na rua Dr. Luiz Januário, uma rua que
possivelmente já tenha perdido os belos paralelepípedos
em nome do duvidoso progresso.
Busquem meu corpo de carro ou rabecão, de carrinho de mão
ou num simples lençol usado,
e depositem ali, atrás da Igreja da mãe de Nazaré,
naquela terra que o mato insiste em invadir,
e onde não há sinal de diferença de classe ou de sonho,
tão singelas são as lápides.

Deitem-me ali, com toda memória possível que tenham de mim,
lembrem e inventem sobre a minha vida, mas deixem-me ali.

Quero enfrentar a vida eterna com prazer,
o vento e o azul do céu fazendo um toldo móvel sobre o meu leito.

Eu e o silêncio
ouvindo eternamente o mar.


WALMIR AYALA
Rio, 11-08-1990.



Página inicial de Ayala






O Cavalo

Solta teu cavalo
que não é de Tróia
mas tem a clareza
nua de uma jóia,
e um resíduo rico
de infância perdida
que se recupera.

Cavalo-quimera,
cavalo-candura,
indefeso e manso
como a criatura
antes da ciência
que gera o egoísmo
pela inteligência.

Que venha o cavalo
de Bernardo Caro
com mil cavalinhos.
Que venham terrestres
por nossos caminhos
limpando a poeira
das lembranças-urzes,
refazendo o dia
das primeiras luzes
onde fomos (somos)
o invento perfeito
de um sonho por vir.

Solta teu cavalo
neste prado amargo
que ensina a partir.
Vamos no seu bojo
como num regaço
disfarçando o nojo
de um tempo padrasto,
mas reconfortados
pelas crinas leves
como o leite antigo
dos inaugurados.

Walmir Ayala





Pomba da Paz, A
WALMIR AYALA

Na Floresta Amazônica mora uma família de pombos muito ocupados. Mas a pombinha Adelaide, a grande preocupação da família, não sabe o que fazer da vida. Com medo de se tornar um peso morto, como ouviu o pai dizer, ela vai embora com o bico e a coragem. Ainda sem rumo definido, lê no jornal Folha da Mata um anúncio de emprego de mensageira lá na porta da Pororoca. E parte para tentar conseguir a vaga. No caminho encontra uma águia, depois um mosquito, depois um ovo e, por fim, algumas margaridinhas - todos em apuros. Adelaide não hesita: pára e ajuda, pois tinha um bom coração. De ajuda em ajuda ela se atrasa, e quando, finalmente, chega à porta da Pororoca, muitos candidatos já haviam chegado. Só lendo o final da história para descobrir o que o Velho Sábio, que tinha colocado o anúncio de emprego, vai fazer com Adelaide, depois que ele fica sabendo dos motivos do atraso dela.







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