Seguidores

Literato Latuf Isaias Mucci

Latuf Isaias Mucci




Professor-Associado desde outubro de 2006, na UFF; pós-doutor em Letras Clássicas e Vernáculas (USP). Membro do Centro de Estudios de Narratología (CEN) , de Buenos Aires. Assessor junto ao Consejo de Investigación de la Universidad Nacional de Salta (UNSA), na Argentina. Assessor de Projetos junto à Universidad Nacional de Salta (UNSA), na Argentina. Decano do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte, da UFF. Credenciado junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da UFF; sub-área Literatura Brasileira, Teoria Literária. Possui graduação em Filosofia, mestrado em Letras (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990), mestrado em Ciências Políticas e Sociais - Université Catholique de Louvain (1968) e doutorado em Letras (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993). Faz parte do grupo de pesquisa GEITES (Grupo de Estudos Interdisciplinares de Transgressão). Atualmente é do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: Mário de Andrade, literatura e outras artes, poética, teoria literária, poesia, semiologia, semiótica, crítica literária. É co-autor do Dicionário de Termos Literários, editado pela Universidade Nova de Lisboa (www.fcsh.unl.pt/edtl ).

(Texto informado pelo autor)



Última atualização do currículo em 23/06/2010

Endereço para acessar este CV:

http://lattes.cnpq.br/8575654069194023


                                                          Tributo ao Amigo Walmir Ayala












Walmir Ayala, o poeta que amava Maria Callas PDF Print E-mail

Written by Isaias Latuf Mucci

03-Abr-2007 às 07:32

Um tributo ao poeta e crítico de arte que passou os últimos anos de sua vida em Saquarema-RJ.



“Viver, viver e escrever de forma quase inconsútil”

Walmir Ayala



Por prazerosas leituras da melhor poesia, eu já conhecia, de há muito, a arte visceral de Walmir Ayala, nascido em Porto Alegre-RS, a 4 de janeiro de 1933, e morto em 9 de agosto de 1991, no Rio de Janeiro, onde morava desde 1956. Muito feliz, vim a encontrá-lo, pessoalmente, em Saquarema, por intermédio do pintor Nelson dos Santos, o Nelsinho, que, no carnaval de 1983, me levou à sua casa, transformada, então, em ateliê de costura, onde mulheres frenéticas confeccionavam feéricas fantasias para o bloco do Reco-Reco, comandado pelo pintor, amigo comum. Com o poeta de Cantata (1966) convivi, fui comparsa, aos domingos, de sua lauta mesa de almoço, em que figurava como paterfamilia. Em sua casa colonial de Saquarema, aonde vinha todo fim de semana, usava um robe de seda e postava-se à porta, observando o doce burburinho das ruas. Aquela porta antiga emoldurava um guardião da poesia, que namorava as pessoas que perambulavam, às vezes pela madrugada adentro.



Foi ele, aliás, quem, muito generosamente, apresentou meu primeiro livro de poemas – Palavras & silêncios -, editado em 1984, e que celebra meu amor incondicional por Saquarema; com sua bênção, esse livrinho incipiente recebeu um prêmio da União Brasileira de Escritores. Escritor, internacionalmente reconhecido por seus poemas, romances, contos, artigos de jornal, diários, suas crônicas, peças teatrais, sua crítica de artes plásticas, suas antologias poéticas, suas traduções para o vernáculo de Rafael Alberti, Cervantes, Lorca, Casona e Fernando de Rojas, sendo, inclusive, o mais premiado dos escritores brasileiros, Walmir, como sempre foi chamado, intimamente, era, em Saquarema, um de nós, uma pessoa simples, um colega, um amigo em nossa cidade, que lhe serviu de prolífera musa para incontáveis poemas, inúmeros contos, crônicas e até romances, cristalizadores de mitos e lendas da Vila de Nossa Senhora de Nazaré. Ele gostava imensamente de ouvir as estórias contadas pelas pessoas mais antigas e mais simples, estórias que ele transfigurava em deliciosos contos. Sua pena de “escritor clássico”, como o caracterizou Carlos Drummond de Andrade, tirava da boca do povo enredos que franquearam as portas da perene literatura. Segundo o consagrado poeta mineiro, “Walmir Ayala tem um pacto com a poesia, como outros o têm com o diabo”.



Amante inveterado da ópera, criança, ainda, cantou no coro da Ópera de Porto Alegre e manteve, a vida toda, o hábito de cantar árias, inspirando-se em Maria Callas, sua soprano favoritíssima. Até aposto que ele sonhava, secreta e publicamente, em ser a diva grega. Lembro-me dele passeando, exuberante, pela sala de sua casa com a biografia de Maria Callas, como se fosse um espelho raro e precioso.



Como uma grande ópera, a vida do poeta de Águas como espadas (1983) foi atravessada pela tragédia, desde sua mais tenra infância, quando, aos quatro anos, assistiu ao assassinato de sua mãe por seu pai. Já dois anos antes de morrer, teve o golpe final com o suicídio, no seu quarto, do filho Gustavo Adolfo, um surfista na crista da onda da vida. Com seu amor passional pela ópera, Walmir Ayala vivia suas próprias tragédias como se fossem óperas divinas, em que Maria Callas encarnava a música suprema.



Lavrou seu testamento poético no jornal local Tribuna da Região, de outubro de 1991; significativa e profeticamente, o poema fora escrito em 11 de outubro daquele ano, portanto exatamente um ano antes de seu falecimento por doença do coração. “Compromisso. Meus amigos, meus conhecidos, meus afetos e desafetos,/ meus leitores e detratores, ouçam e atendam: /quando chegar a hora do meu último repouso, /busquem meu corpo onde ele estiver, /na poeira do Rio ou na neve gaúcha,/ nalgum Japão antípoda ou aqui mesmo, / na Rua Dr. Luiz Januário, uma rua que possivelmente já tenha perdido os belos paralelepípedos/ em nome do duvidoso progresso. / Busquem meu corpo de carro ou rabecão, de carrinho de mão /ou num simples lençol usado, /e depositem ali, atrás da igreja da mãe de Nazaré, /naquela terra que o mato insiste em invadir / e onde não há sinal de diferença de classe ou de sonho, tão singelas são as lápides. /Deitem-me ali com toda a memória possível que tenham de mim, / lembrem e inventem sobre a minha vida, mas deixem-me ali. /Quero enfrentar a vida eterna com prazer,/ o vento e o azul fazendo um toldo móvel sobre o meu peito./ Eu e o silêncio/ ouvindo eternamente o mar.” Foi cumprida a última vontade do Poeta, pois seu corpo, trazido de carro do Rio, foi sepultado no cimetière marin de Saquarema e eu pude declamar, entre lágrimas, esse poema de versos brancos e de um fôlego só, onde ecoa a liturgia da missa pelas palavras de Cristo: “Fazei isto em memória de mim”. Místico fervoroso, Walmir Ayala desejou seu repouso definitivo junto à igreja de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira de Saquarema e protetora das ondas locais.

Nesse testamento estético, podemos encontrar a concepção de literatura como memória e invenção, tradição e inovação, história e ficção: “lembrem e inventem sobre a minha vida”. O poeta torna-se objeto de texto artístico. Morto, imortaliza-se na ficção literária.



Se, num gesto metonímico, deslocarmos do poema os dois últimos versos, teremos um haicai, que aflora uma revelação, a revelação final: “Eu e o silêncio/ Ouvindo eternamente / O mar”. Por outro lado, amalgamando-se num único verso esse dístico derradeiro, estaremos diante de um dodecassílabo, ou alexandrino, solene, soleníssimo, usado, segundo a tradição, nas epopéias hagiográficas, nos discursos majestosos, uma métrica, portanto, própria para um poema que anuncia o fim, o fim do corpo, mas não do poema inacabado: “Eu e o silêncio ouvindo eternamente o mar”.

Em poema, significativamente designado “Arte poética”, Walmir Ayala inscreve um epílogo, que funde vida, morte e arte: “(...) Mas às vezes faço poema como erguendo/ um punhal contra a rosa, ou contra mim,/ como quem morre e resiste e quer morrer/ assim (...)”.





Amém, dirão as ondas todas, que insistem em bater no Outeiro de Nossa Senhora de Nazaré, num concerto que ressoa a eternidade da arte e do amor por uma cidade, berço e túmulo de artistas.



Isaias Latuf Mucci é professor na Universidade Federal Fluminense.



[Texto publicado na versão impressa de Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte, nº 130, janeiro de 2007, pág. 3]





Back

spacer

Textos mais acessados



* Poesia e prosa de Olavo Bilac (50053 hits)

* Escolas Literárias no Brasil (35115 hits)

* O que é ser brasileiro? (31209 hits)

* O parnasianismo no Brasil (28849 hits)

* A poesia de Mario Quintana (25382 hits)












Written by Camilo Mota
03-Fev-2010 às 14:10
Resenha-crônica sobre o livro "Águas de Saquarema", poemas de Latuf Isaias Mucci.



Soube, através de um amigo, que outro amigo o questionara do porquê de eu ter me mudado para Saquarema. O que eu vira nessa cidade, tão pacata, tão à beira do Oceano Atlântico? A água, o mar, o céu, o sol e suas cores, aqui, parecem ter me cativado de uma maneira diferente de outras terras. O sol nasce manso pela manhã, e mais tarde se põe em cores variadas além das montanhas, refletindo um adeus iluminado nas ondulações da lagoa... ele diz em seu quase silêncio de luz que a vida é enorme quando contemplamos a nossa pequenez. E também as pessoas com seu jeito solar, quente, de falar amigo. Alguma coisa mineira, de antanho, me faz olhar esse mar com admiração.


E não a mim apenas isso tudo é cativante. Pois que o professor Latuf Isaías Mucci foi mais além e derramou em versos tudo o que sente acerca desta terra ainda admirável, com suas ondas, surfistas, cores feitas em molduras de gente. Mineiro como eu, veio ele ter em Saquarema o encontro mítico e real. Assim como Manuel Bandeira exaltava uma Pasárgada para onde poderia se refugiar e encontrar o ápice da vida em seu máximo prazer, também Latuf o faz, mas num sentido concreto: ele não busca a terra mítica, pois que já encontrou a terra real de seus sonhos. Em “Águas de Saquarema” (Saquarema, Tupy Comunicações, 2009), o poeta revela um amor tal pela região que o acolheu que, à maneira dos românticos em relação a suas amadas, recolhe em versos as sensações e sentimentos que norteiam sua vida sempre em direção à coisa amada. Torna-se, camonianamente, o amante na coisa amada? “Fora de Saquarema / Sou / peixe com mágoa / pássaro sem paz / ave avessa / exilado poético / asilado ilhado / (...) Fora de Saquarema / Nenhum zen me segura”, revela o poeta em sua “Canção do Idílio”, como um Gonçalves Dias pós-moderno a exaltar a falta que lhe faz sua amada pátria, cujos sabiás fazem verdadeiros ninhos na alma. E reforça sua relação com a terra, firmando raiz: “Não me vou mais embora daqui, / nem que me arrastem pelos cabelos / que já perdi há muito na cidade” (“Radicalmente”).


A proposta de Latuf poderia cair no lugar comum. Afinal, fazer um livro com uma temática de grande exaltação e paixão por um local em particular é um desafio. Mas aqui revela-se um mistério, que faz parte da alma do poeta e também de Saquarema. Há vibrações tais nessa terra em que a natureza se expressa de forma tão dinâmica, que ela própria se mostra constantemente em oferenda para a inspiração de cantos de amor, como os cantados por Latuf. E ele faz jus a esse chamado. Tal qual o marinheiro que se deixa inebriar pelo canto da Iara, Latuf navega nos cabelos de Iemanjá, surfa as ondas, e mostra-nos uma leitura extremamente lírica e zen do mar, um dos principais personagens do livro. “Os meus velhos olhos / nem se cansam de sonhar / estas ondas antigas / vagando em cantigas, danças densas” (“O mar, o mar”). O poeta não cai no lugar comum. Sua “face líquida” vai se moldando a cada novo encontro com sua amada. Antes, apela à simplicidade para dizer de seu amor, de sua valorização da vida, das pessoas, do afeto. É isso: Saquarema é um grande afeto na vida do poeta. E ele, qual um girassol caeiriano, se volta para o brilho dessa luz que se lhe revela a cada dia de uma maneira nova.
Há que se ler o livro de Latuf como quem saboreia as ondas, ou como quem sente a tessitura de uma folha de orquídea ou, ainda, como quem chupa uma suculenta manga em pleno verão. Seus versos em “Águas de Saquarema” são leves, para serem levados pelo vento fresco, pelo hálito de palavras ditas com amor, simplesmente com amor.


Camilo Mota é natural de São João Nepomuceno-MG (1965), reside em Saquarema desde 2003. É editor do Jornal Poiésis (www.jornalpoiesis.com), membro titular da Academia Brasileira de Poesia, e membro honorífico da International Writers and Artists Association (IWA).



(publicado na edição impressa nº 165, dezembro de 2009, página 2)


Last Updated ( 03-Fev-2010 às 14:11 )

http://www.osaqua.com.br/2009/09/05/latuf-lanca-livro-de-poesia/

ÁGUAS DE SAQUAREMA                                        

Em 2009 , Latuf publicou o livro Águas de Saquarema pela editora Tupy. Escreví na contracapa:


Latuf ancora seus poemas como barcos feitos de luz, no mar de Saquarema. Mar imenso e selvagem. Os ventos do cotidiano, som suas estrelas e sonhos e flores atravessam sua poesia: os poemas oscilam, belos e oblíquos e nunca se desnudam por inteiro. Há sempre algo que escapa a um primeiro olhar, como o mar que esconde suas cidades submersas e sereias.
Texto Roseana Murray




VENDO O VENTO

As flores fazem
vênias ao Vento
Senhor dos ares.

As árvores acenam
braços ao vento:
Senhor das marés.

 Os olhos cismam
reflexões ao vento:
Senhor dos sonhos.




Latuf Isaías Mucci



No dia do lançamento do livro, na Casa de Cultura Valmir Ayala, Latuf recebia seus convidados numa vestimenta dourada e oriental. Estava magnífico, explodia de felicidade: este livro era um dos seus sonhos. Cercado de amigos e alunos, Latuf voava ou andava sobre as águas.
 Texto Roseana Murray  .







INTERIOR


É isto mesmo o que eu quero _
esta mesmice,
mas com o mar como pano de fundo.
Que me perdoe o poeta,
mas esta não é uma vida besta.
Maior festa não há
que o mar diário.
Cenário mais solene não há
que o solo ondulante.
Melhor solidão não há
que a noite marítima.
Monotonia mais musical não há
que o marulhar.
Mesmo dia
Mesma noite
Mesmo horizonte
Um só mar.
Latuf Isaías Mucci




















Nenhum comentário: