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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

C/ARTE

Comunidades auto-sustentáveis

Maria Helena Andrés

    Quando estive nos Estados Unidos na década de 60, procurei entrar em contato com uma comunidade hippie da Califórnia. Admirava a coragem daqueles jovens de romper com os moldes tradicionais impostos pela sociedade de consumo, para viver uma vida simples e criativa. Reescrevo aqui um texto do meu diário da época:

    Do outro lado da baía de São Francisco, os hippies se agrupavam cabeludos, sujos, vestidos de roupas exóticas. Reagindo contra a guerra do Vietnam e o artificialismo da sociedade, negavam-se a aceitar a política dos Estados Unidos e os moldes tradicionais de vida. Preferiam o desconforto e a pobreza a se enquadrarem na engrenagem do sistema. Voltavam ao homem primitivo, às sociedades tribais, pregando a não violência: "Make love, not war". Dedicavam-se ao artesanato ou às artes plásticas, faziam conjuntos musicais. Procurando outras formas de expressão, libertavam a agressividade nas músicas trepidantes e danças exóticas, como os ritmos primitivos da África.

    Queriam a libertação do homem interior e sua identificação com outra realidade que não fosse produto da máquina e da mecanização. Não lhes interessava a riqueza, o conforto dos lares americanos, com todos os eletrodomésticos a sua disposição. Dormiam em barracas nas praias ou dentro de barcos.

    Para os hippies, a pobreza era uma opção. Escolheram a boemia de ter por cobertura a noite estrelada e por leito as areias de Sauselito. Deixaram a casa paterna em busca de novos caminhos. Queriam construir uma nova civilização através da não-violência e, para isso, rejeitavam todos os valores estabelecidos
    Seus mestres eram escolhidos entre aqueles que, através dos tempos, deram o exemplo de heroísmo, desapego, amor aos homens, aos animais e à natureza. As figuras de Buda e de São Francisco renunciando a riquezas e a glórias; Gandhi como exemplo de não violência, Jesus Cristo como mensageiro do amor. Os hippies tiveram como guru o inglês Alan Watts, que morava num barco em Sausalito. Alan Watts estimulou o contato com a natureza e a ligação com as prática orientais de meditação Zen budista. Seu livro "A Sabedoria da Insegurança" nos mostra a impermanência da vida.
   Naquela época, o vegetarianismo foi incentivado entre os jovens e o "Greenpeace" levantou o seu estandarte de paz alertando sobre a necessidade de preservar os recursos naturais do planeta

   Todos esses movimentos de ruptura continham dentro de si uma polaridade de aspectos negativos e positivos, que mais tarde vieram gerar frutos.

   Agora, depois de quarenta anos, cresce no mundo inteiro o movimento das ecovilas ou comunidades auto-sustentáveis. Buscam a simplicidade voluntária e o conforto essencial. Criam-se novos estilos de vida e padrões sustentáveis de consumo.

   O movimento das ecovilas é um movimento global que emergiu sob um mesmo impulso, integrando o Oriente e Ocidente, Norte e Sul. Apoiado pelas Nações Unidas, este movimento é a tomada de consciência de uma mudança essencial à vida: aprender a viver de forma auto-sustentável se quisermos sobreviver como espécie, pois o planeta tem recursos finitos e limites de crescimento. Em 1995, realizou-se na Fundação Findhorn na Escócia um encontro onde o conceito de ecovilas foi discutido amplamente, definido e lançado globalmente. Ali estiveram presentes representantes de várias comunidades internacionais, trazendo cada um sua experiência. Foram discutidos aspectos ambientais e espirituais. As ecovilas dão prioridade à plantação orgânica, utilizam sistemas de energia renováveis e oferecem apoio social, educação e saúde integradas. Cursos de formação holística são oferecidos a toda a comunidade. Na cidade da Paz em Brazília organizam-se programas em torno do projeto das ecovilas. Essa nova maneira de definir a vida no planeta, chamada globalmente de "Revolução do Habitat" tem um propósito comum baseado no princípio ecológico de "não retirar da terra mais do que podemos devolver a ela". As ecovilas dão prioridade à produção local de alimentos, diminuindo as dificuldades causadas pelo transporte. As modernas ecovilas apresentam estruturas em muitos aspectos semelhantes a antigas formas de organizaçao do espaco adotadas milenarmente na Ásia. Assim, as aldeias indianas podem servir de referência para o planejamento de assentamentos rurais:

    "O assentamento humano na Índia obedece a um sofisticado padrão de aproveitamento dos recursos naturais e de conservação do meio ambiente. As mais de 600 mil aldeias indianas se abastecem com água, energia, materiais de construção e alimentos das redondezas, o que evita os transportes a longa distância, conservando energia e recursos naturais. As aldeias ficam a cerca de 6 km umas das outras e formam uma rede que provê as relações econômicas e sociais necessárias. Essa estrutura durou longo período de tempo. É uma base sólida para uma economia rural sustentável e deveria ser tomada como referência em um mundo que precisa aprender a conservar energia e combustíveis, pois a Índia foi capaz de sobreviver por milhares de anos com baixa degradação ambiental."[1]

     Nas comunidades autosustentáveis adotam-se novos conceitos de educação e de eco-alfabetizacao, fazendo com que as pessoas reaprendarm sua relação com a natureza. Muitas dessas práticas são inspiradas em idéias como as do físico e ecologista Fritjof Capra, autor do livro "O Tao da Física", que analisa, num artigo denominado "Uma ciência para a vida sustentável", os erros do capitalismo global que destrói a natureza e faz da própria vida uma mercadoria. Nesse mesmo artigo, propõe soluções mais otimistas em relação à educação ecológica: "Nas décadas vindouras, a sobrevivência da humanidade vai depender dessa educação ecológica – da nossa capacidade de compreender os princípios básicos da ecologia e viver de acordo com eles. Isso significa que a educação ecológica tem de tomar-se uma qualificação essencial dos políticos, líderes empresariais e profissionais de todas as esferas, e tem de ser em todos os níveis, a parte mais importante da educação – desde as escolas "primárias e secundarias até as faculdades, as universidades e os institutos de educação continuada e de formação profissional". [2]

     Capra reside na Califórnia e leciona na Universidade de Berkeley - coincidentemente, os berços do movimento de contracultura da década de 60 - e viaja pelo mundo inteiro, integrando o Oriente e o Ocidente através da física, da ecologia e da filosofia. Conheci-o na década de 90 em Brasília, na Cidade da Paz, durante o seminário denominado "Encontro das dimensões". As propostas de Pierre Weil, de conforto essencial e simplicidade voluntária, bem como a de "austeridade feliz" proposta por Pierre Dansereau, encontram ressonância nas idéias de Capra de um mundo melhor, onde se podem atender as aspirações do presente sem diminuir as oportunidades das gerações futuras.

     [1] Maurício Andrés Ribeiro, Tesouros da Índia, Belo Horizonte, 2003, p.123




[2] Capra , texto de uma entrevista publicada na internet.

Mais informações ,acesse:
http://www.comartevirtual.com.br/

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