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SEM PEGADAS
Alpes ligurianos: viagem de charme sustentável
A pousada Torri Superiore, na comunidade italiana dos Alpes da Liguria, proporciona turismo sustentável, em clima de romance. Uma temporada ali pode ser a prova de como é possível sair de férias, relaxar, descansar e aprender, com o mínimo de impacto
Thais Oliveira – Edição: Mônica Nunes
Planeta Sustentavel - 21/12/2010
Na porta de entrada da Itália, em um vale escondido e desenhado por terraços repletos de oliveiras, fica a vila medieval Torri. A maioria dos turistas que se banha e se impressiona com a Côte d’Azur francesa e a Riviera italiana não chega a subir em direção ao vale, situado a apenas vinte minutos do mar mediterrâneo. Quem se aventura a sair do formato óbvio, porém, entra não só em uma história milenar como em um exemplo de uma comunidade preparada para o futuro.Planeta Sustentavel - 21/12/2010
Torri Superiore era ruína de uma vila próspera quando, há 20 anos, um grupo de amigos resolveu comprar o ‘edifício’ e restaurá-lo, aos poucos, para abrigar uma ecovila, uma cooperativa e bed and breakfast. A palavra Torri descreve exatamente o formato do prédio, mas para românticos como eu, o local é mais como um castelo sem rei, um exuberante cenário de Rapunzel ou Romeu e Julieta.
O uso atual não é diferente do original. Fugindo do ataque de piratas e conquistadores, a população das pequenas cidades caiçaras subiu o vale em busca de sossego. Pedra, sendo abundante e grátis, foi o material escolhido para a construção. A Torri, em formato de forte, protegia, mantinha a comunidade unida e economizava espaço eficientemente, deixando os raros terrenos planos para plantações em forma de terraços. O resultado é um lindo labirinto de pedras, de quartos e apartamentos, salas, varandas e uma cozinha comum conectados por túneis, pontes, escadas e jardins. Até o estábulo para os jegues franceses e as dispensas para comida e ferramentas são charmosos.
HÓSPEDES PARTICIPAM DO DIA A DIA DA COMUNIDADE
Hospedar-se na Torri Superiore é mais como ficar na magnífica vila de simpáticos parentes distantes. Os quartos são de solteiro, casal ou grupos e decorados com a simples elegância europeia. As refeições (deliciosas!) são feitas com os membros da comunidade que, na verdade, são seus vizinhos. É possível ajudá-los a colher as azeitonas que, quando amassadas em prensas tradicionais, se transformam em um azeite puro, ou ver as lindas cerâmicas serem moldadas à moda antiga. Entre um banho e outro no rio Bevera, localizado aos pés da pousada, os hóspedes interessados em jardinagem podem participar do cuidado da horta produtora de parte dos ingredientes do jantar, ou na cozinha, onde os chefs da comunidade se revezam para produzir cardápios sensacionais, baseados em produtos locais e orgânicos e na mais pura tradição da cozinha mediterrânea, onde qualidade e simplicidade são sinônimo de perfeição.
O queijo de cabra é produzido por eles. O azeite, o tomate, a rúcula, os pimentões, pimentas e alho, o manjericão para o pesto, o mel e o própolis, a cerâmica e o lemoncello (licor de limão, típico da Itália) também. Isso sem contar as árvores frutíferas pipocadas pelos terraços: figo, limão, caqui, laranja. A região também é rica em cogumelos e produz um salame delicioso. Cada residente da comunidade tem seu próprio ‘negocio’. Daniel Von Düffel e Simon, por exemplo, cuidam das oliveiras e produzem o azeite usado na cozinha e vendido nos mercados e para os hóspedes.
Claudia é quem faz, em cerâmica, todos os potes, xícaras, copos e utensílios usados no B&B e também vendidos para o público. Stefano produz mel e própolis, molhos apimentados, pimentas secas e cuida da horta. Valério é um dos restauradores e carpinteiros. Nina é uma das chefs de cozinha e Lucilla Borio produz sabonetes e cremes naturais. Hoje, são dez famílias, cerca de 16 adultos e 9 crianças, alemães, franceses, italianos e australianos. Juntos eles produzem muito mais do que se fossem famílias separadas, juntos tomam conta dos hóspedes, cada talento adicionado para tornar do local um forte cheio de sabedoria e resiliência.
Entre uma caminhada e outra nas lindas trilhas do vale, ou depois de um dia na praia em Ventimiglia, Mônaco ou Nice (França), quem se hospeda lá vê de perto uma ecovila em funcionamento. Eficiente e convidativa. Entre as atividades oferecidas durante o verão europeu (de junho a setembro) estão cursos de cerâmica, reconhecimento de fungos e cogumelos, permacultura, culinária e yoga. Além disso, há sempre alguém entretendo as crianças se você precisa de um dia ou uma noite de folga. É assim que também funciona a comunidade, mesmo quando não há hóspedes. Eles se revezam para cuidar dos pequenos para que ninguém fique sobrecarregado.
TURISMO RESPONSÁVEL
Esse pequeno pedaço de paraíso nos Alpes da Liguria é um ótimo exemplo de turismo sustentável e participativo. O setor de viagem é uma das indústrias que mais cresce e, com o advento das companhias aéreas low cost na Europa, voar é mais barato – e obviamente mais rápido - do que pegar o trem ou o ônibus.
Apesar de prática e democrática, essa mudança não é necessariamente motivo de comemoração. Viajo há muitos anos, durante longos períodos e normalmente por terra, e nos últimos anos tenho visto nitidamente o impacto negativo do grande influxo de turismo. Cidades lotadas de lojinhas inúteis de produtos made in China, mais e mais hotéis vazios ou abandonados e, principalmente, gente do interior que deixa para trás suas profissões e tradições para tentar buscar um pedaço da riqueza do turismo das cidades. Os países vão ficando mais lotados de turistas, mas perdem suas características, cheiros e cores. Ficam privados da sua atração principal. E quanto mais dependentes de turismo, mais perigoso, já que a indústria é volátil, como se provou na última crise e em desastres naturais como as tsunamis e terremotos. E quando o petróleo acabar?
Em outras palavras, não vejo mais sentido em uma viagem meramente observadora, consumista e completamente separada da alma e das pessoas do local. Além de sustentável, o turismo deve ser participativo e incentivador da cultura local. Turismo rural ou voluntário se provam eficientes e prazerosos ao redor do mundo.
Uma temporada na Torri Superiore foi, para mim, o grande exemplo de como é possível sair de férias, relaxar, descansar, aprender e participar. Sem culpa, deixando o mínimo de pegada.
*Torri Superiore
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