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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Planeta Sustentável

cultura
Luis Claudio Marigo
Esses animais, que estão no topo da cadeia alimentar em seu habitat, eram festejados pelos astecas como uma divindade

onça-pintada

A fera das Américas

Assim como o leão na África, o jaguar é o grande predador nas paisagens que vão do norte da Argentina até o sul dos Estados Unidos. Um livro faz um mergulho nos aspectos biológicos e históricos desse felino admirável

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A onça-pintada, também chamada de jaguar, tem uma força descomunal. Quando dá o bote, mesmo que seja num enorme búfalo, a morte da presa é instantânea. Sua boca consegue esmigalhar ossos do crânio e vértebras da coluna. Estraçalha até a carapaça de uma tartaruga. O leão é maior que a onça-pintada, mas, proporcionalmente ao tamanho de ambos, tem uma mordida menos arrasadora. É por isso que o leão escolhe partes macias da presa para abocanhar, como o pescoço, e a morte é demorada, por asfixia. Nem mesmo os domadores dos circos mambembes, que levavam leões e tigres para o picadeiro, ousavam tentar subjugar uma onça-pintada.

Seria legítimo se o título internacional de rei dos animais fosse transferido do leão para ela. Rara na natureza, essa força é uma das singularidades da onça-pintada apontadas pelo recém-lançado livro Jaguar: o Rei das AméricasLiana John. Para apresentar a onça-pintada, os autores falam de seu físico sem igual, de seus hábitos solitários, seus ancestrais extintos e sua conturbada relação com o ser humano pelos séculos. Foram dois anos de pesquisas. Não havia no Brasil livro tão abrangente sobre o tema.

Embora estampe o verso das notas de 50 reais, a onça-pintada ainda está longe de ser familiar aos brasileiros. Costuma ser vista como mais um bicho da fauna nacional, como o lobo-guará e o tamanduá-bandeira. "As pessoas sabem mais sobre os animais africanos do que sobre os brasileiros", observa Leandro Silveira, presidente do Instituto Onça-Pintada. Isso não faz sentido. A onça-pintada é o maior predador das Américas. Não existe, na cadeia alimentar, outro animal acima dela. Habita praticamente todo o continente americano, desde o norte da Argentina até o sul dos Estados Unidos. Estima-se que metade delas esteja no Brasil, em ambientes tão distintos quanto a Amazônia, o Pantanal e a caatinga.

Se hoje as pessoas pouco se interessam pela onça-pintada, no passado não havia no continente animal mais idolatrado que ela. Entre as divindades dos astecas estava Tezcatlipoca, por vezes retratado com a inconfundível pelagem do felino. No Peru, os mochicas ofereciam sacrifícios humanos a Ai Apaec, o deus-jaguar. No Brasil, os tupinambás colocavam garras de onça ao lado dos meninos recém-nascidos para que se tornassem adultos fortes e guerreiros. "A onça-pintada foi para as sociedades latino-americanas um ícone cultural tão forte quanto o leão ainda é para os povos africanos", afirma Howard Quigley, um dos diretores da ONG americana Panthera, dedicada à conservação dos grandes felinos no mundo.

A onça-pintada tem o corpo moldado para as caçadas. As pernas são relativamente curtas e musculosas. Isso faz dela uma péssima corredora de longa distância, mas uma exímia escaladora e saltadora. Ao contrário da maioria dos felinos, não empreende perseguições atrás da caça. Camuflada com sua pelagem dourada e negra, ela busca um ponto cego da presa, aproxima-se sorrateiramente e dá o bote. A onça-pintada nada tão bem quanto o tigre, seu primo asiático. É capaz de matar um boto ou um pirarucu dentro do rio e arrastá-lo até a margem para devorá-lo. A caçada é solitária, nunca em bando. Diz a bióloga Sandra Cavalcanti, da ONG Instituto Pró-Carnívoros: "Não é fácil ver ou estudar uma onça-pintada. Até o início dos anos 80, sabia-se pouquíssimo sobre ela. É uma espécie arredia, evasiva, não é como o leão, que fica deitado tomando sol na savana e os pesquisadores podem observá-lo à vontade".

O reinado da onça-pintada está ameaçado. Estudos mostram que o felino desapareceu de metade da área que ocupava no início do século passado. No Brasil, a realidade varia conforme a região. Na caatinga, pelas estimativas do Instituto Onça-Pintada, existem hoje irrisórias 327 onças. Na Amazônia, por outro lado, quase 52 000. Matar qualquer animal silvestre no Brasil é crime, mas muitos fazendeiros contratam caçadores clandestinos para matar onças-pintadas que atacam suas vacas, cabras, porcos e cavalos. A onça-pintada é considerada um animal oportunista - come o bicho que estiver ao alcance. Entre 2002 e 2004, o Instituto Onça-Pintada e a Conservação Internacional experimentaram um modelo de preservação em fazendas do Pantanal. Cada vez que uma vaca era morta por uma onça-pintada, o fazendeiro recebia uma indenização equivalente a 200 dólares. Técnicos iam ao local para atestar que o ataque havia de fato sido feito pelo animal. O modelo era inspirado em ações bem-sucedidas com o urso e o coiote nos Estados Unidos, com o lobo na Europa e com o tigre na Índia.

O governo brasileiro, por ora, descarta adotar esse tipo de política de indenização. Faltam dinheiro e funcionários para implementar o programa. Segundo Evaristo de Miranda, um dos objetivos de seu livro Jaguar: o Rei das Américas, ao mostrar o felino sob os pontos de vista biológico, ecológico, histórico e cultural, é justamente ajudar em sua conservação. "Nós só nos preocupamos com aquilo que conhecemos", diz ele.

PODER ESMAGADOR
A onça-pintada tem, proporcionalmente ao seu porte, a mordida mais poderosa entre os felinos – Veja infográfico – inserir popup
(editora Metalivros), de autoria do ecólogo Evaristo Eduardo de Miranda e da jornalista
créditos, link aqui.

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