Seguidores

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cultura RJ

Memórias de um Rio luminoso
A jornalista Ana Maria Bahiana resgata, em livro, as fotografias feitas por sei pai, Alberto Luiz Gastão

O Leblon de meados do século passado
O Leblon de meados do século passado  (Crédito: Alberto Luiz Gastão/ Reprodução)
Praia ainda deserta
O Dois Irmãos ao fundo
Uma charrete passeia pela Lagoa
Grupo de amigos em passeio na Urca
Alberto, na época em que era funcionário da Panair
Maria Helena, futura mulher de Alberto, em uniforme do Sion
Enquadrada pelo painel dianteiro do carro – um naco de volante invade a imagem –, a orla apenas se insinua, Dois Irmãos ao fundo, por detrás do mundaréu de fuscas e karmanguias estacionados à beira-mar, naquele entardecer do século passado. Noutra página uma moça de sorriso brejeiro, sentada na mureta da Lagoa Rodrigo de Freitas, denuncia com seu uniforme de escola o tempo em que é flagrada: chapéu de palhinha, colete e meias soquete, como uma boa aluna do Colégio Sion; a década é a de 40. Ambas as fotografias foram garimpadas pela jornalista e escritora Ana Maria Bahiana no baú de seu pai, o fotógrafo amador Alberto Luiz Gastão. Junto a outras dezenas de imagens, feitas a partir dos anos 30, compõem o recém-lançado Caixa de memórias (Desiderata), um livro que descortina a luminosidade do Rio de Janeiro “todo de encostas luxuriantes e praias puras, onde carnaval era corso, bloco e batalha de confete”, como diz Ana na apresentação.

Ex-funcionário da Panair e do Departamento de Estrada de Rodagem do Rio de Janeiro, filho caçula do arquiteto Gastão Bahiana e da francesa Jeanne-Rose Boher, Alberto começou a fotografar a cidade e seu entorno quando, adolescente, teve acesso à primeira câmera, uma Leica vinda da França. Desde então andou sempre com uma máquina à mão, registrando paisagens, pessoas, encontros de família, cenários de uma cidade ainda “de tão delicados ares”, um Rio de Janeiro hoje já invisível.

Quando morreu, em 2005, deixou uma série de caixas com essas fotografias. Ana Maria debruçou-se sobre elas, e elegeu para a publicação uma série de imagens que trazem a impressão de um “possível ar perfumado de flor e maresia que traz ecos de uma cidade humana, refinada, perdida”. Além disso, passeiam pelos costumes de diferentes épocas e pelas transformações da sociedade e da geografia carioca.

“Fiz a seleção por uma combinação de importância documental, que sempre foi uma preocupação de meu pai, e qualidade estética”, conta a jornalista. “Meu pai sempre teve um olho excelente para enquadramento, e procurei as imagens que mais mostravam esse rigor. Daltônico com muito pouca percepção de cor, ele tinha uma enorme sensibilidade para a luz. Tanto que selecionei toda uma sequência a que dei o nome de Luz, porque ela é exatamente isso, um estudo da maravilhosa luminosidade do Rio de Janeiro. Procurei também incluir as imagens que mais mostravam como se vivia cotidianamente no Rio de 1930-1960”.

Memória

É nesse preto e branco tão refinado que aparece a orla de Copacabana de faixas ainda estreitas de pedras portuguesas, um único barco ao fundo. Passa uma charrete à beira-mar. Um grupo de jovens disputa uma partida de vôlei com os trajes da época: moças de vestidos abaixo do joelho, rapazes de calça. No piquenique corriqueiro, usam gravata; as damas, vestidos de passeio.

Com seu hobby, Alberto guardou, a seu jeito, a memória do lugar onde viveu – memória esta que perdeu nos últimos anos de vida, vítima do mal do Alzheimer. “É um Rio de Janeiro de muita natureza, pouca gente, um clima predominantemente europeu, a impressão de um ritmo mais pausado, uma cidade que se desfrutava mais”, comenta Ana, afirmando que se trata de um lugar quase apagado pelo tempo: “Quando vou ao Rio [a jornalista mora nos Estados Unidos], tenho que garimpar muito, muito para achar. São como reflexos de um outro tempo que aparecem de vez em quando, em becos do centro, no Parque Lage, na Colombo....”.

As fotografias de Alberto representam, também, um jeito muito peculiar de narrar o cotidiano ao seu redor. Legado que deixou à filha, como conta ela: "Meu pai me apresentou à possibilidade de uma narrativa por imagens. Muito cedo me nomeou sua assistente, me ensinando o que era essencial na foto, me mostrando como segurar a câmera, o que eram as lentes, os filtros, o obturador, as velocidades. Mas na verdade meus irmãos são muito melhores fotógrafos do que eu. Tenho um problema com fotografar: prefiro estar no momento completamente, e não me separar dele para fotografá-lo. Mas ando sempre com minha camereta digital e com um celular com uma boa câmera - seguindo os conselhos dele, ‘olhe sempre, nunca se sabe quando a foto vai aparecer’".


Colaboração de Juliana Krapp
créditos, link aqui.

Nenhum comentário: