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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Brasil no gelo

O programa antártico brasileiro completa 20 anos com mais de 200 pesquisadores em ação na baía do Almirantado

por Luciano Candisani Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL
Luciano Candisani
Brasileiros na Antártica
Às 11 da noite, no final de um típico dia de verão na Antártica, brasileiros se preparam para um mergulho para coletar amostras. Temperatura da água: "apenas" 1°C negativo
Em 1982, os tripulantes dos navios brasileiros Barão de Tefé e Professor W. Besnard, um da Marinha e outro de pesquisa, protagonizaram uma das maiores empreitadas de exploração da história recente do país. Incumbidos de achar um local para montar a primeira estação científica brasileira na Antártica, os homens deixaram o porto de Santos (SP) e, na viagem, venceram as águas do Atlântico Sul e as ondas assustadoras da passagem de Drake. Depois de muitas buscas pelo lugar ideal, a base brasileira, batizada de Comandante Ferraz, começou a ser construída em uma pequena península no fundo da enseada Martel, uma das três reentrâncias cercadas de glaciares que formam a bela baía do Almirantado, na ilha Rei George, arquipélago das Shetland do Sul. Ali, há apenas 20 anos, o Brasil enfim alcançava a face gelada do último continente da Terra.
O primeiro abrigo polar contava com apenas oito módulos, capazes de alojar 12 pessoas por períodos de 32 dias. Naquele momento, diante de tão modestas instalações, talvez fosse difícil prever que o Brasil pudesse criar laços tão definitivos com a Antártica – e ocupar um lugar de destaque pela qualidade de sua produção científica. Hoje, mais de 200 pesquisadores de 14 universidades e institutos do país estão envolvidos com o programa antártico. A estação já conta com 63 módulos, com capacidade para 50 pessoas, entre cientistas e equipe de logística da Marinha. Há ainda laboratórios, veículos especiais para neve, embarcações de apoio e um novo navio oceanográfico, o Ary Rongel. Os estudos continuam mesmo durante o inverno austral. “O clima no Brasil, por exemplo, é influenciado pelas massas de ar frias. Os estudos meteorológicos na Antártica permitem a realização de previsões mais confiáveis e com maior antecedência”, diz Tânia Brito, do grupo de avaliação ambiental do Proantar, do Ministério do Meio Ambiente.
Mesmo com a boa infra-estrutura, fazer ciência na Antártica continua a ser um grande desafio – sobretudo quando o objetivo fica longe do abrigo da estação. A equipe do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, responsável pelo mapeamento da fauna submarina, sabe bem o que é isso. No verão eles passam cerca de dez horas diárias em um bote inflável de 5 metros, de onde partem para mergulhos em águas congelantes – de até 2ºC negativos. Os mergulhadores conseguem ficar quase uma hora imersos em águas capazes de matar um ser humano em apenas cinco minutos. O frio é tamanho que as válvulas de ar do equipamento se congelariam caso não contassem com uma proteção especial para evitar a formação de cristais de gelo. A principal peça do equipamento é a “roupa seca”, um macacão de borracha fechado dos pés à cabeça, capaz de isolar totalmente o corpo do mar gelado. O traje, porém, não garante a retenção de temperatura. É preciso usar um macacão espesso por baixo.
O oceanógrafo Adalto Bianchini, por sua vez, coordena um grupo de estudos sobre a fisiologia dos elefantes-marinhos na ilha Elefante, onde o Brasil tem uma de suas duas estações secundárias – um refúgio composto de apenas um container. Uma das principais dificuldades do trabalho é a manipulação dos enormes elefantes- marinhos, que podem chegar a 4 metros e pesar 4 toneladas. “O principal objetivo é conhecer o estado de saúde dos animais para avaliar eventuais impactos ambientais que a espécie venha a sofrer no futuro”, resume Bianchini.
A Antártica tem 99,7% dos seus 14 milhões quilômetros quadrados cobertos por uma camada de gelo com espessura média de 2160 metros. Esse enorme manto gelado exerce influência no sistema climático do planeta, ao mesmo tempo que é muito sensível a intervenções do homem no clima global. Por isso os glaciologistas, cientistas especializados no estudo dessa camada, estão preocupados em entender os mecanismos de interação entre gelo e clima. Os pesquisadores do laboratório de pesquisas glaciológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) aventuram-se em busca de preciosas amostras das geleiras. Em uma das expedições, em 1997, a equipe chegou a ficar dois meses vivendo sobre o gelo da ilha Rei George, tendo apenas pequenas barracas para se proteger da neve e de ventos de até 170 quilômetros por hora – ao melhor estilo das épicas jornadas de exploradores como Shackleton e Amundsen. Até o laboratório para análise do material era escavado sob o gelo.
“O tempo é tão ruim nessas regiões que, durante os 60 dias da travessia, avistamos o horizonte em apenas cinco oportunidades. Tivemos que ficar quatro dias seguidos sem sair das barracas por causa de uma tempestade de neve”, lembra-se Jeferson Cardia Simões, chefe do laboratório de pesquisas glaciológicas da UFRS.
Os resultados dessas pesquisas são preocupantes: eles mostram que, por causa do aumento da temperatura média em apenas 1ºC, a ilha Rei George perdeu 7% de sua cobertura de gelo nos últimos 40 anos. Agora, no verão de 2002, a equipe de glaciologistas planeja expandir a área de estudos com uma incursão de 40 quilômetros até o interior da península Antártica, na altura da baía Margarida. Os esforços dos brasileiros vão se juntar, mais uma vez, aos de milhares de outros cientistas vindos do mundo todo com um objetivo comum: desvendar o funcionamento da natureza no último continente inexplorado da Terra. E, com isso, garantir que ele permaneça para sempre como um imenso laboratório sem fronteiras políticas, destinado apenas à pesquisa e à conservação.

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