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domingo, 24 de abril de 2011

Cultura

A função da cultura é ser cultura e não salvar o mundo

A função da cultura é ser cultura e não salvar o mundo. A função de um Ministério da Cultura é mobilizar seres humanos e mantê-los mobilizados. De que forma? Garantindo e dando subsídios ao povo para expressar-se, manifestar-se através de sua arte e de seus saberes. Se a cultura educa, se ela serve ao social, isso vem no lucro. A função essencial da cultura é manter-nos vivos, pensantes e humanizados. A junção de cultura e mercado é um movimento que não foi gerado pelo povo, mas por uma pequeníssima porção da sociedade que detém o controle da economia. O movimento que nós, povo, temos feito, é de frear esse movimento frenético iniciado pela indústria cultural. (Aressa Rios)
Mundo pleno. Esta era a sensação de quem, como eu, foi testemunha ocular da II Conferência Nacional de Cultura. Estavam ali o ouro e o diamante; o céu e a terra do Brasil do início do século XXI, os Pontos de Cultura e a Cultura Digital, numa consolidação de um processo revolucionário que a cultura brasileira viveu na era Lula, referência no mundo, quando tínhamos, ao longo de grande parte da jornada, Dilma Roussef como Ministra-Chefe da Casa Civil que, assim como o Presidente Lula, participou ativamente daquele processo. No mesmo passo, Gil e Juca, durante os oito anos de uma gestão compartilhada entre partidos de esquerda e sociedade civil organizada, conseguiram uma amálgama dinâmica, um sincronismo complexo e por vezes invisível de um sistema que unia, através da visão plena de Célio Turino com os Pontos de Cultura, a essência da territorialidade geográfica cultural do Brasil.
Mas, ainda ali na II Conferência Nacional de Cultura toda a expansão desse pensamento eclodiu numa invejável ordem missionária do povo do Brasil. A cultura digital era o centro desse processo, ela é que fazia a perfeita transição do Brasil rumo à modernidade, até então, institucionalmente ocupado pela hegemonia das multinacionais.  Esse universo-tempo que integrava diferentes ordens sociais vindas da liberdade proporcionada pela cultura digital nos tirou do velho condicionamento da cultura colonial para, enfim, a cultura do Brasil fazer a ocupação territorial e virtual e nos dar o pleno sentido de cosmos, de nação. E foi com este sentimento que Alfredo Manevy, o então Secretário Executivo do Ministério da Cultura, proferiu uma das palestras mais importantes, quando conclamou a todos os presentes que se unissem no sentido da desburocratização do Estado para que o Ministério da Cultura do Brasil fizesse a fusão entre o cidadão e sua cultura e seu mais importante e legítimo representante.
A abertura da II Conferência Nacional foi uma noite histórica singularizada pelas personalidades mais importantes da política brasileira naquele momento. Lula, o Presidente e Dilma Roussef, a candidata à sucessão e continuidade de todo esse processo histórico que marcou a era Lula.
Tínhamos então a certeza de que Dilma se elegeria e a grande mutação contemporânea promovida pelos relógios digitais que ocupavam as redes sociais estava garantida, ou seja, não teríamos interrupção nas novas ações, relações e nas novas idéias. Sentimos ali que o Brasil-nação estava mais perto não importando a origem de cada um. Todos nós estávamos próximos e sentindo que ao nosso alcance estava a plenitude material e intelectual, próprias do mundo que se instalava de forma intensa naquele revolucionário encontro. Naquela conferência a presença maciça da humanidade brasileira vinda de todos os quadrantes de nossa interpretação multidisciplinar era flagrante.
Aquela erupção de esperanças e bênçãos comoveu todos. Nascia ali uma produção renovada e necessária à proposição e ao exercício de uma nova política cultural. Se a presença de Lula e Dilma enriquecia politicamente aquela experiência, que era a própria cara dos dois principais quadros políticos do Brasil, as condições objetivas vieram da diversidade de um calendário extenso que marcou, sobretudo, o debate nacional sobre as reformas do Direito Autoral e da Lei Rouanet, problemas considerados unanimamente como os grandes fatores de urgência para sairmos do atraso e seguirmos as principais rotas que nos levassem a uma revolução cultural.
Vieram as eleições, o Brasil fervia de esperança no universo da cultura. Esse coração pintava as Avenidas Centrais como uma festa de cidadania marcada por nossas figuras comuns e a força de nossas verdades. E, por este motivo que, lutando apaixonadamente em confiança em toda aquela festa do Brasil tamborzeiro que também presente na conferência, que os nossos anseios expurgaram de vez as principais tribunas políticas do coronelato dos conservadores.
Foi nessa caixeta do divino, do lúdico, do sensorial que o povo brasileiro escreveu a vitória de Dilma Roussef num gostoso balançar de ombros aonde o corpo e a alma se sentiram feitos por mãos que depositaram nas urnas como uma obrigação toda aquela certeza de um Brasil confeccionado por uma gigantesca roda, aonde cabiam crianças, jovens, adultos e idosos. Era este o camafeu que definia todas as danças de etnias diversas que misturavam as divinas identidades para desaguar numa vitória histórica de um povo forte e unido que define a cultura do Brasil.
Pois bem, ainda estávamos orgulhosos e cantando a trilha sonora da vitória derivada de um baile político que a esquerda brasileira deu em Serra e sua política prostituída vinda da era FHC.
Chega a nomeação dos ministros num momento em que os tambores estavam prontos para soar aquele couro esticado pelo fogo construído por um Brasil múltiplo, quando sentimos que aquela comunidade festeira ficou estarrecida com a fria declaração da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda logo em sua primeira coletiva.
A nova ministra de forma seca e dura deixou claro que sua gestão seguiria os fundamentos repressivos de um dos órgãos que mais representam a ortodoxia hegemônica, o Ecad. A crise imediatamente se instala no território da cultura para, logo, em um processo rápido ganhar contornos dramáticos num debate nacional.
Está claro que Ana de Hollanda é uma missionária secular do Ecad e que, por intermédio de manobras políticas internas no PT, conseguiu ocupar uma cadeira estratégica para impor as ordens do clero e nos devolver ao processo neocolonial. Agora todos os setores da cultura que haviam saído da marginalidade durante o governo Lula, sobretudo os Pontos de Cultura e a Cultura Digital, voltaram às privações e à imagem de escassez.
Com Ana, o poder dos grupos econômicos está de volta. As ordens superiores do mercado corporativo e da indústria cultural voltaram tonificadas. O que importa agora é o Ministério-empresa, é o dinheiro-cultura, é o império das multinacionais.
A pergunta que está no ar é: o que foi determinante dentro do PT para que o grupo corporativista de Antonio Grassi, que é umbilicalmente ligado ao grupo de gestores e artistas serristas tomasse o Ministério da Cultura? Uma questão que está sendo extremamente debatida.
Ampliemos os limites da criação, desafiemos as barreiras do comodismo, continuemos rompendo velhos tabus, façamos da liberdade criativa, da liberdade de expressão, a grande ferramenta de transformação do nosso país. (Dilma Rousseff na abertura da II CNC )

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